06 outubro 2014

Passaporte de um Bombeiro - Jorge Santos

NOME: Jorge Paulo Freire Santos
IDADE: 49 anos
EMIGROU PARA: Moçambique
HÁ QUANTOS ANOS: Cerca de 1 ano
BOMBEIRO EM: Bombeiros Voluntários de Soure - 4.ª Secção Granja-do-Ulmeiro
POSTO: Bombeiro de 2ª
CUMPRIU QUANTOS ANOS DE SERVIÇO: 20 Anos

Hoje damos continuidade ao nosso projecto!...
Projecto que se têm demonstrado um Sucesso tendo já, em três "Passaportes", 17186 visualizações e mais de 2000 LIKES e Partilhas.

Cada vez mais no nosso País, o número de Bombeiros a serem obrigados a abandonar a sua terra, a sua Corporação, tem aumentado.
Na sua grande maioria foram em busca de uma melhor qualidade de vida para si e para os seus.
Existem Corporações de Bombeiros que viram partir dos seus quadros, dezenas de Bombeiros.
E é com esses Bombeiros que nós andamos a tentar falar.

São esses Bombeiros que, um a um, uma vez por semana, vos estamos dar aqui a conhecer!

Saber quem são, e para onde foram… e que mensagem têm para nos deixar.


DB - Bom dia, antes de mais, deixe-me agradecer-lhe por ter aceitado o nosso convite e colaborar connosco. Queira fazer o favor de se apresentar:

Jorge Santos - Chamo-me Jorge Paulo Freire Santos, mas todos me conhecem por Paulo Santos. Tenho neste momento 49 anos, faço os 50 anos a dia 1 de Outubro. As pessoas consideram-me amigável, prestável, auxiliando sempre o outro sem olhar ao seu próprio umbigo, humilde, alegre e sempre bem-disposto. Acho que essas são as minhas principais características. Sempre fui um lutador e sempre trabalhei noutros países, como a Espanha e numa outra situação pontual, Irlanda. Mas sou um nacionalista, que acredita e defende o seu país. Com saudades das nossas terras e lugares que sempre marcaram a minha vida. Estou saudoso, triste por estar cada vez mais longe do país que tanto amo, com toda a sua história, tradição e cultura.

DB - Pertence a que Corpo de Bombeiros?

JS - Orgulhosamente, pertenço aos Bombeiros Voluntários de Soure, fazendo serviço na Quarta Secção Granja-do-Ulmeiro.

DB – Quantos anos tem de serviço?

JS - Somando o total de anos fazem o total de 20 anos completos, sendo que não são contínuos. Fiz serviço nos Bombeiros Voluntários de Soure entre 1983 a 1997 e reingressei no ano de 2008 até à data presente.

DB - Como ficou a sua situação no quadro do seu CB?

JS - Felizmente, continuo a pertencer ao quadro activo, com a maior honra.

DB – Todos nós sabemos que, mesmo fora do nosso País, a adrenalina ainda corre nas veias quando se ouvem sirenes, não é? Sente saudades?

JS - Corre muito nas veias, por terras moçambicanas chamam-me Doutor ‘Mucunha’ por ser sempre uma ajuda no que toca à área de saúde e ser branco. Aqui é muito diferente. Existem os chamados paramédicos, mais que bombeiros, mas de vez a vez encontram-se alguns e aí quando toca a sirene ou vejo uma velha ambulância de sirenes ligadas, o meu coração não consegue parar quieto. As saudades são imensas, do meu/nosso país, das nossas condições de vida, do meu quartel, das minhas ambulâncias e carros de fogo… Enfim, é uma saudade sem fim e a adrenalina ao ver uma ambulância é inesgotável, o que faz sempre pensar como estará a nossa corporação, que no fundo é sempre uma segunda casa que se tem.

DB – Como todos sabemos, felizmente para os que estão fora, a Legislação em vigor permite que possam ser Bombeiros noutro País, mantendo-se na mesma no Quadro de Reserva do seu Corpo de Bombeiros em Portugal. É Bombeiro no País onde se encontra?

JS - Não, porque não estou propriamente numa cidade ou lugar fixo, trabalho por Moçambique inteiro, não tendo um local de residência específico. Mantendo-me cerca de três meses por cá e indo duas semanas a Portugal, sendo que é nesse tempo que continuo a exercer serviço para os Bombeiros Voluntários de Soure.

Jorge Santos mais a sua filha Marta, aquando das promoções
deles ao posto imediato.
DB - O que o levou a sair do País?

JS - A minha empresa mudou de sítio, é uma empresa de caminhos-de-ferro e por isso procura trabalho onde o há. Mantem uma sede em Portugal, mas já á muito que estabelece parcerias no estrangeiro, antigamente em Espanha, mas uma vez que a crise veio a tornar o trabalho escasso, mesmo em terras espanholas, a empresa alargou os seus horizontes de forma a encontrar trabalho e não simplesmente fechar portas, tendo colegas também a trabalhar no Brasil, país em desenvolvimento que tem apostado na área ferroviária, ao contrário da Europa. Assim sendo, ou aceitaria a proposta ou não teria trabalho, com a minha idade seria difícil conseguir arranjar trabalho noutro local, fazendo o mesmo que é algo que eu sempre gostei de fazer. Por isso, aceitei a proposta de me mudar, não tive alternativa.

DB – Era assalariado no seu Corpo de Bombeiros?

JS - Não, o meu trabalho era e é, como referi em cima, o mesmo. Trabalho como condutor/manobrador de máquinas de caminho-de-ferro, trabalhando também com camiões, ferrocamiões e em cantenária (partes elétricas).

DB – Imaginamos que não tenho sido uma decisão nada fácil, mas… assim vai o nosso País. O que recorda do seu último dia de serviço?

JS - A despedida dos meus colegas, um «até já» é sempre doloroso. Eu que nem sou homem de chorar muito, não me contive… foi emocionante. Já quando chego me emociono, porque é um enorme contraste entre as minhas chegadas e partidas. Quando chego é difícil de explicar, por ser sublime, quando vou é difícil de explicar, por ser doloroso.

DB – Qual foi a sensação, no dia em que fez a carta ou informou o seu Comandante?

JS - A sensação foi dolorosa, o comandante, comando e corpo activo sempre puderam contar comigo, porque sempre me mantive ativo e disponível, dependendo do meu tempo livre, mas sempre que tenho tempo foi, é e continua a ser ajudar no que consigo, colocando mesmo a minha família em segundo lugar, como qualquer bombeiro. A sensação que tive, além de tristeza e de mágoa por ter de os informar que iria para fora do país, mas desta vez para muito mais longe e por muito mais tempo, foi a sensação de estar a falhar com todos os meus colegas, comando e direcção, pois sempre tive uma boa relação com todos.

DB – Acompanha com frequência as noticias sobre os Bombeiros?

JS - Sim, tendo sempre o meu número português activo recebendo mensagens gerais do meu CB, mas procurando na Internet sempre que ela me deixa (aqui é difícil conseguir abrir uma simples página, moçambique em muito é um país que precisa de desenvolvimento).

DB – De tantos e tantos anos em que se registaram Bombeiros falecidos no combate às chamas, o ano passado irá ficar para sempre marcado na memória dos portugueses, e principalmente dos Bombeiros.
O que acha que fez com que as situações ocorridas o ano passado marcassem tanto, fossem sentidas e vividas de uma forma tão intensa e ao mesmo tempo tão triste?

JS - Todos vestimos a mesma farda, utopicamente todos com o mesmo brio, profissionalismo e vontade. Calhou ser este ano, calhou serem aqueles que faleceram em combate. É inacreditável, porque poderíamos ser nós, o nosso colega, os nossos familiares ou os nossos amigos. A sensação que fiquei foi que os bombeiros como um todo, a nível nacional, são unidos porque há sempre aquela questão de que todos fazemos o mesmo, com a mesma farda, trabalhando para o mesmo e por isso… todos somos iguais! Acredito que pelas mortes que temos a lamentar, tornou-se evidente a união, ligação e cumplicidade entre bombeiros, talvez pela sensação que podíamos ser nós ou os nossos colegas, até mesmo conhecidos, familiares ou amigos. Mexeu com todos a nível global, quer sejam bombeiros quer sejam familiares, quer nem tenham nada a ver com bombeiros de forma directa. Foi um necessário abanão para questionar determinadas coisas, para percebermos os riscos que este género de voluntariado implica, para questionarmo-nos se pomos a segurança realmente em primeiro lugar. Como no meu CB se costuma ouvir, temos como lema Vida por Vida, não Vida por Mato. E custa perceber que há dos nossos que morram a tentar defender e a proteger a vegetação, seja ela de que tipo for.

DB – Muito se falou e especulou sobre as causas de tal desgraça. Falou-se sobre muito, desde os Equipamentos de Protecção Individual, às comunicações SIRESP, falta de segurança, incumprimento de ordens, relatórios, etc.
Com base na sua experiência nos seus anos como Bombeiro no activo, tem alguma opinião formada, ideia em relação ao sucedido o ano passado?

JS - Certamente haverá pessoas com mais informação e conhecimento para falar disso que eu, mas tentando responder de melhor forma, acho que talvez a falta de EPI, as falhas inaceitáveis de SIRESP, a falta de segurança, o incumprimento de ordens e/ou o cumprimento excessivo de ordens, alguma inexperiência, alguma confiança a mais… acho que foi um pouco de tudo, juntando a isso a inacreditável força que o azar tem. Certamente não foi um só factor mas todos eles, e sem incêndios não haveriam pessoas para o combater, por isso, desde a ignição do próprio incêndio a todos esses factores que referi acima e certamente tantos outros que não me lembro agora de referir, tudo ajuda um bocadinho e grão a grão enche a galinha o papo e daí, pequeno factor em pequeno factor consegue surgir uma tragédia inexplicável.

DB - Em quanto tempo, se for esse o caso, espera regressar a Portugal e voltar assim a defender a causa que durante tantos anos defendeu?

JS - Defenderei e continuo a defender a causa que escolhi, não sabendo o que o futuro me reserva. Para já, em Moçambique serão 3 anos.

DB - Tem ideia de quantos Bombeiros e Bombeiras perdeu a sua Corporação nos últimos anos devido à emigração?

JS - Fazendo a conta por algo, 4/6 elementos provavelmente, sendo que sei se ficarão por aqui, mas felizmente não somos muitos a emigrar na minha corporação, ao contrário do que se vê noutros CB.

DB – E a nível Nacional?

JS - A nível nacional não sei, mas centenas e centenas de bombeiros, e mais uma vez acredito que não ficará por aqui. Depende também das zonas do país, de certo que haverá zonas mais afectadas que outras.

DB – Pois, infelizmente nós também não lhe sabemos dar uma resposta concreta. Sabemos que é um numero que tende a crescer de dia para dia, sabemos que existem Corporações de Bombeiros que perderam mais de metade dos seus elementos, mas… a cada dia que passa, em Portugal, a percentagem de emigração aumenta, e muito, e dentro desse “muito” fazem parte muitos Bombeiros.
Que mensagem tem a deixar a todos os seus Camaradas?

JS - Gostaria de lembrar que temos um país maravilhoso e que é nele que nos temos de focar. Aos que a emigração não chamam que assegurem o serviço e os seus turnos com o maior brio profissional, que se mantenham optimistas quanto a um futuro promissor.
Que honrem a sua farda e que a respeitem!
Aos que emigraram, que a vida lhes corra pelo melhor, procurando sempre não esquecer que, apesar de longe, corre no sangue o ‘bicho’ de ser bombeiro e por isso que não se esqueçam de olhar ao próximo e de o ajudar sempre que conseguirem.

Muito Obrigado por ter respondido a estas perguntas, e pela sua colaboração. De certo que as mensagens de apoio dos nossos leitores irão começar a aparecer, demonstrado assim o Agradecimento pelos anos que em Portugal serviu a causa em prol e bem da Humanidade – Bombeiro.
Foi um prazer enorme tê-lo conhecido e termos tido a oportunidade de partilhar com todos estas pequenas letras.

Um Bem-Haja

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