05 novembro 2014

Passaporte de um Bombeiro: Rui Ferreira

NOME: Rui Pedro de Almeida Ferreira
IDADE: 31
EMIGROU PARA: Leipzig, Alemanha
HÁ QUANTOS ANOS: 2 anos
BOMBEIRO EM: Avintes, Vila Nova de Gaia
POSTO: Bombeiro de 2ª
CUMPRIU QUANTOS ANOS DE SERVIÇO:
8 anos


Esta semana fomos até à Alemanha.
Fomos falar com o Camarada Rui Pedro, mais um Bombeiro emigrado que hoje vos damos a conhecer mais um pouco...

DB - Bom dia, antes de mais, deixe-me agradecer-lhe por ter aceitado o nosso convite e colaborar connosco. Queira fazer o favor de se apresentar:


Rui Ferreira - Olá, meu nome é Rui Pedro Ferreira, tenho 31 anos e sou natural da cidade do Porto.

DB - Pertence a que Corpo de Bombeiros?

RF - Fui Bombeiro Voluntario na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Avintes, Vila Nova de Gaia.

DB – Quantos anos tem de serviço?

RF - Durante 8 anos, servi como voluntario os Bombeiros Voluntários de Avintes e a população das freguesias a qual o corpo de bombeiros estava adjacente.

DB - Como ficou a sua situação no quadro do seu CB?

RF - Quando emigrei eu passei ao quadro de Reserva.

DB – Todos nós sabemos que, mesmo fora do nosso País, a adrenalina ainda corre nas veias quando se ouvem sirenes, não é? Sente saudades?

RF - Claro que sim. Acho que todos os que vivemos o prazer e a vontade de servir o próximo, no momento que a sirene tocava, sentemos saudades de poder saltar para dentro de uma viatura e poder salvar uma vida ou apagar um incendio. No meu caso, essa saudade é minimizada porque juntamente com a minha companheira, inscrevemo-nos nos bombeiros voluntários da nossa área de residência (Leipzig Süd, na Alemanha)

DB – Como todos sabemos, felizmente para os que estão fora, a Legislação em vigor permite que possam ser Bombeiros noutro País, mantendo-se na mesma no Quadro de Reserva do seu Corpo de Bombeiros em Portugal. É Bombeiro no País onde se encontra?

RF - Sim… neste momento estou inscrito nos bombeiros voluntários de Lepzig Süd, Alemanha. Felizmente a nossa Legislação dá-nos esta possibilidade, embora, se não me engano, podemos estar no quadro de reserva por 5 anos (seguidos ou intercalados), passando de seguida para a Inatividade.

DB – E qual é a sensação? Que é diferente todos sabemos, mas o quão diferente é?

RF - Sim, todos sabemos que existem muitas diferenças entre países, na sua forma de atuar e mesmo na sua forma de servir a população.
Eu orgulho-me de ter aprendido a ser bombeiro no País do Mundo onde existe a maior numero de Homens e Mulheres que são Bombeiros/as Voluntários/as, bem formados e prontos para servir a população em qualquer situação.
Aqui na Alemanha, e mais propriamente, em Leipzig uma grande diferença trata-se no tipo de serviço que executamos: não fazemos pré-hospitalar nem urgências. A nível de Socorro existem entidades para o fazer (exemplo da Cruz Vermelha). Apenas saímos para serviços de incendio, acidentes / desencarceramento, inundações, etc.
Outra grande, mas a mais importante diferença, trata-se do EPI. Felizmente, tudo que se trata de equipamento individual de proteção, é nos fornecido, desde o dia em que entramos nos bombeiros. Penso que a nível de segurança do bombeiro, é a diferença mais significativa que encontro.
Em contra partida, não existem piquetes noturnos, só vamos para o quartel quando existe alguma ocorrência, na qual somos alertados por BIP. Não existe ninguém no quartel durante o dia, temos formação/instrução todas as quintas-feiras das 18h as 20:30.
Resumidamente, as diferenças ainda são algumas, que nos deixam saudades no coração, do voluntariado que vivemos no nosso País.

DB - O que o levou a sair do País?

RF - Resumidamente, sai do nosso País por amor.
Todos sabemos as dificuldades de trabalho que existem no nosso Portugal, e o quanto é difícil para um novo casal, começar uma vida juntos. No meu caso, a minha companheira já estava trabalhando na Alemanha e sabendo da grande dificuldade que iria encontrar em encontrar um trabalho em Portugal (devido a vários fatores, entre os quais a escolaridade), achei que seria mais fácil encontrar eu um trabalho na Alemanha e iniciarmos a vida a dois, por terras da Senhora Chanceler Merkel!

DB – Era assalariado no seu Corpo de Bombeiros?


RF - Não, não era Assalariado no meu Corpo de Bombeiros.
Durante 10 anos eu trabalhei nas urgências do Hospital de Vila Nova de Gaia/Espinho como Técnico Administrativo.

DB – Imaginamos que não tenho sido uma decisão nada fácil, mas… assim vai o nosso País. O que recorda do seu último dia de serviço?

RF - Não são decisões fáceis de se tomar, quando temos amor pela causa e pelo que fazemos. Quando amamos o que fazemos e sabemos que dentro de nós, arde a chama de poder ajudar o próximo, mas mais importante que ser voluntario, é construirmos a nossa vida e o nosso Futuro, e foi a decisão que tomei no momento que decidi imigrar para a Alemanha.
A partir do momento em que tomamos uma decisão deste nível, acho que passamos a viver cada serviço como sendo o ultimo e a nostalgia vai se apoderando de nós. Queremos guardar cada momento vivido com os camaradas e em cada serviço, dar o melhor de nós, pois sabemos sempre que estamos a fazer o melhor para que alguém, que felizmente ou infelizmente, passa pelas nossas mãos, possa regressar ao seu dia-a-dia da melhor forma.
O meu último dia de serviço foi calmo, e deu para receber algumas palavras de conforto e de encorajamento por parte de alguns camaradas. Penso que o mais difícil foi mesmo pousar o saco em casa e guardar a farda no armário.

DB – Qual foi a sensação, no dia em que fez a carta ou informou o seu Comandante?

RF - Foi uma sensação estranha no dia que informei o meu Comandante da decisão que iria tomar, devido ao facto de ter algumas responsabilidades inerentes como chefe de equipa e também por estar colaborando na formação de uma nova escola de recrutas/estagiários, mas tive uma conversa muito agradável com o meu comandante, que me deu todo o apoio que necessitava.
Para além de ser o meu superior, deu-me seus concelhos pessoais, de pessoa responsável e experiente que era. Guardo muitas palavras que Senhor meu Ex. Comandante José Araújo me disse.

DB – Acompanha com frequência as noticia sobre os Bombeiros?

RF - Normalmente, estou sempre atualizado com as notícias em que envolvam os bombeiros e principalmente os bombeiros do distrito do Porto.

DB – De tantos e tantos anos em que se registaram Bombeiros falecidos no combate às chamas, o ano passado irá ficar para sempre marcado na memória dos portugueses, e principalmente dos Bombeiros.
O que acha que fez com que as situações ocorridas o ano passado marcassem tanto, fossem sentidas e vividas de uma forma tão intensa e ao mesmo tempo tão triste?


RF - Infelizmente foram momentos bastante dolorosos, não só para quem os viveu diretamente no local, nas corporações e no seio familiar, mas também para todos os cidadãos Portugueses, e particularmente, a quem sente na pele as dificuldades que os bombeiros enfrentam no terreno.
Todos sabemos a situação que existe em Portugal, a falta de responsabilidade por parte das autoridades (juntas, câmaras, etc.) em prevenir antes de ocorrer.
As já muito faladas limpezas que não são feitas, os estradões inexistentes para melhoramento de acessos e de linhas de contenção que nunca saem do papel, pelos gastos inerentes que podem ter. Todos estes fatores são conhecidos, mas no final, o bombeiro é que tem de enfrentar o pior, as chamas e a devastação, que infelizmente, tenta defender como da sua própria vida se tratasse.
Acredito que as situações trágicas ocorridas no ano passado, marcaram tanto as pessoas e os bombeiros, devido aos factos de se trataram, em muitos casos, de jovens, mas também por terem ocorrido em muitos casos, de falhas operacionais (no meu ver) que nunca deveriam ter sucedido.

DB – Muito se falou e especulou sobre as causas de tal desgraça. Falou-se sobre muito, desde os Equipamentos de Protecção Individual, às comunicações SIRESP, falta de segurança, incumprimento de ordens, relatórios, etc.
Com base na sua experiência nos seus anos como Bombeiro no activo, tem alguma opinião formada, ideia em relação ao sucedido o ano passado?


RF - Não sou nenhum técnico, talvez até possa ser um leigo na minha opinião, mas muitas das tragedias poderiam não ter sucedido, se houvesse maior conhecimento do terreno e da forma de comando de vários comandantes operacionais.
O Bombeiro ou o Chefe de uma viatura cumpre ordens superiores, mesmo quando não conhece o Teatro de Operações, no qual esta a trabalhar. Parte do comando em identificar o terreno e em enviar para certos locais as equipas com alguém conhecedor, minimamente, do mesmo terreno. Penso que em colocar 5 ou 6 viaturas de bombeiros do Sul, num terreno desconhecido do Centro ou do Norte, não é uma forma correta de operacionalidade, independentemente da formação que cada um possa ter ou não.
“Efeito Chaminé”, “mudança de ventos”, “falta de sinal SIRESP”, todos sabemos que existe, mas houve muitas tragedias que serão sempre lembradas pela sociedade Portuguesa, que deveria ter sido prevenidas e que infelizmente, nunca iram ser julgados os responsáveis.
E claro, o bem mais precioso que todos os bombeiros tem é a sua proteção, tanto a nível de equipamento pessoal como em viaturas. E é o bem mais precioso que os órgãos governamentais Portugueses não apostam a não ser depois dos factos trágicos acontecerem. Mas mesmo depois de todos as tragedias, os EPI’s não aparecem, as viaturas com mais de 30 e 40 anos tem que continuar a combater as casas e a defender as populações e as verbas doadas e canalizadas para esses mesmos acontecimentos, nunca aparecem. Assim continua a política e a forma como o nosso País ajuda quem melhor defende cada lar ou terreno, em troca de nenhum cêntimo.

DB - Em quanto tempo, se for esse o caso, espera regressar a Portugal e voltar assim a defender a causa que durante tantos anos defendeu?

RF - Infelizmente é uma resposta que de momento não sei dar. A data de hoje, e da forma que o nosso País esta se encaminhando, penso que a minha vida, continuará a ser construída deste lado da Europa. Mas nunca deixando de parte a possibilidade de um dia, quem sabe, poder regressar ao nosso Portugal e ajudar todos os meus camaradas a fazer o melhor que sabemos (ser voluntários em troca de nada).

DB - Tem ideia de quantos Bombeiros e Bombeiras perdeu a sua Corporação nos últimos anos devido à emigração?

RF - Felizmente, no meu corpo de bombeiros, não tem havido o problema da emigração, e segundo os últimos números, temos aumentado o número de voluntariados. Penso que se deve a estarmos localizados perto de uma grande metrópole mas também pelo facto de haver alguma maior disponibilidade por parte das pessoas em serem uteis e ajudarem o próximo, e também pelo lado negativo das tragédias ocorridas no último ano, levou a inscrição de mais pessoas que sentem capazes de poder ser úteis a comunidade e a população!

DB – E a nível Nacional?

RF - Não tenho grande ideia dos números a nível nacional, mas como anteriormente falei, os números de voluntariado em vários locais, aumentou, e agradavelmente isso é um sinal positivo. Negativo é saber que em outras tantas corporações, fora das grandes metrópoles, o número diminui drasticamente, levando mesmo algumas corporações a fazer grandes esforços para defenderem as suas áreas de intervenção.

DB – Pois, infelizmente nós também não lhe sabemos dar uma resposta concreta. Sabemos que é um numero que tende a crescer de dia para dia, sabemos que existem Corporações de Bombeiros que perderam mais de metade dos seus elementos, mas… a cada dia que passa, em Portugal, a percentagem de emigração aumenta, e muito, e dentro desse “muito” fazem parte muitos Bombeiros.
Que mensagem tem a deixar a todos os seus Camaradas?


RF - As palavras que deixo a todos os camaradas são simples.
Orgulhem-se sempre do que fazem pela sociedade pois nos dias de hoje, é um bem precioso, podermos ser úteis para com as pessoas, em troca de nada.
Orgulhem-se sempre de serem Bombeiros Voluntários Portugueses, da formação que tem e que dia após dias, tendem em reciclar, para poderem sempre dar o melhor de vós.
Embora esteja na Alemanha, orgulho-me de ter crescido como bombeiro Português, e de toda a formação que adquiri.
Podemos não ter o melhor equipamento de segurança para enfrentar os mais diversos obstáculos, porem, no meu ponto de vista, e embora não conhecendo todas as corporações voluntarias da Europa, considero os Bombeiro Voluntários de Portugal, como os melhores da Europa.
Nunca deixem esta chama apagar!

Muito Obrigado por ter respondido a estas perguntas, e pela sua colaboração. De certo que as mensagens de apoio dos nossos leitores irão começar a aparecer, demonstrado assim o Agradecimento pelos anos que em Portugal serviu a causa em prol e bem da Humanidade – Bombeiro.

Foi um prazer enorme tê-lo conhecido e termos tido a oportunidade de partilhar com todos estas pequenas letras.

Um Bem-Hajam

1 comentários:

  1. Foi com muito gosto que servi ao lado do rui nos bombeiros de avintes e com tristeza o vi partir. Apesar de tudo o que me deixa feliz e que ele continua a fazer o que sempre gostou de fazer. Um forte abraço

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