22 setembro 2014

Passaporte de um Bombeiro - Marco António

NOME: Marco António Ferreira da Silva
IDADE: 24
EMIGROU PARA: Angola
HÁ QUANTOS ANOS: 1 ano
BOMBEIRO EM: Associação Humanitário dos Bombeiros Voluntários de Melgaço
POSTO: Bombeiro de 3ª
CUMPRIU QUANTOS ANOS DE SERVIÇO: 3


Cada vez mais no nosso País, o número de Bombeiros a serem obrigados a abandonar a sua terra, a sua Corporação, tem aumentado.

Na sua grande maioria foram em busca de uma melhor qualidade de vida para si e para os seus.
Existem Corporações de Bombeiros que viram partir dos seus quadros, dezenas de Bombeiros.
E é com esses Bombeiros que nós andamos a tentar falar.

São esses Bombeiros que, um a um, uma vez por semana, vos iremos dar aqui a conhecer!
Saber quem são, e para onde foram… e que mensagem têm para nos deixar.


DB - Bom dia, antes de mais, deixe-me agradecer-lhe por ter aceitado o nosso convite e colaborar connosco. Queira fazer o favor de se apresentar:

Marco António - Bom dia, o prazer é todo meu. Chamo-me Marco António, sou natural do concelho de Melgaço (norte de Portugal), terra da qual me orgulho de pertencer. Estudei lá até ao 12º ano e depois segui para o Curso de Licenciatura em Enfermagem na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Foi aí que, através do contacto com diferentes realidades, e porque tive/tenho mais bombeiros na família, que decidi inscrever-me nos bombeiros voluntários da minha terra.


DB - Pertence a que Corpo de Bombeiros?

MA -  Pertenço à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Melgaço.


DB – Quantos anos tem de serviço?

MA - 3 anos. Entrei para os bombeiros a 4 de Agosto de 2011, concluí o Curso de Instrução Inicial de Bombeiro e fui promovido a bombeiro de 3ª classe, o que me motivou para continuar a desempenhar as minhas funções com brio e dedicação.


DB - Como ficou a sua situação no quadro do seu CB?

MA - Neste ponto houve um entendimento com o comando do CB. Uma vez que já cumpri o mínimo de horas estipuladas por ano, permaneço no activo, continuando as minhas funções assim que chegar a Portugal (em Dezembro). O ano passado solicitei um período de inactividade.


DB – Todos nós sabemos que, mesmo fora do nosso País, a adrenalina ainda corre nas veias quando se ouvem sirenes, não é? Sente saudades?

MA - Saudades? Sem dúvida… vontade de correr para ir ver ambulâncias a passar, ver um veículo de combate a incêndios, tudo o que envolva socorro. Sempre estará aqui aquele “bichinho” que fica alerta quando pressente que algum veículo prioritário se aproxima. Sempre que vejo um, fico com vontade de estar lá dentro com os meus colegas e de ir com eles ao encontro de algo ou alguém que precisa da nossa ajuda. Mas também sinto revolta… revolta por me encontrar num país onde indivíduos “importantes” rasgam facilmente pelo trânsito, enquanto que um veículo de emergência fica preso, ignorado, porque a estrada se transformou numa anarquia em que só quem anda de carros pretos com strobs é que é prioritário.


DB – Como todos sabemos, felizmente para os que estão fora, a Legislação em vigor permite que possam ser Bombeiros noutro País, mantendo-se na mesma no Quadro de Reserva do seu Corpo de Bombeiros em Portugal. É Bombeiro no País onde se encontra?

MA - Não. Pelas características do meu contrato de trabalho, por incompatibilidade de horário, falta de transporte e questões de segurança é-me impossível ser bombeiro em Angola. Visito os CB, sou muito bem acolhido pelos colegas, falamos sobre as versatilidades dos quartéis e equipamentos que aqui dispõe, eles lançam o desafio de trabalhar com eles, mas no final, sempre será irrealizável.


DB - O que o levou a sair do País?

MA - Bem… como já referi, o meu meio sempre foi Melgaço, onde está a família, namorada, amigos, colegas… mas a falta de oportunidades, a pouca perspectiva de carreira e a vontade de conhecer “novos mundos” fez-me embarcar no projecto em que me encontro. Foi-me informado/proposto por um Professor da escola onde tirei o curso de licenciatura em enfermagem, a possibilidade de integrar um projecto na área da docência/formação em Angola. Fui a reuniões/entrevistas com a empresa em causa, encontrei a oferta aliciante para a idade na altura (22 anos), fui seleccionado e embarquei inicialmente no projecto por um período de 6 meses. Uma vez que em Portugal, as condições de trabalho não sofreram alterações, este ano embarquei no projecto pela segunda vez.


DB – Era assalariado no seu Corpo de Bombeiros?

MA - Não. A minha profissão é Enfermeiro no quotidiano, Bombeiro quando estou fardado no CB. Tenho de falar assim porque a Ordem dos Enfermeiros não permite que um Enfermeiro faça voluntariado segundo o parecer CJ50/2012, que na sua conclusão refere que “o cidadão, apesar de enfermeiro, ao ser voluntário é-lhe vedado o exercício da profissão”.


DB – Imaginamos que não tenho sido uma decisão nada fácil, mas… assim vai o nosso País. O que recorda do seu último dia de serviço?

MA - Os últimos dias são sempre complicados. Temos sempre em mente que nos vamos afastar do meio onde nos sentimos confortáveis. Eu não sabia quando ia ser o meu último dia de trabalho, porque eu dependia de um telefonema, para num curto espaço de tempo, apanhar um avião para Angola. Por ironia, quando o telemóvel tocou, encontrava-me no quartel. Deram-me um curto período para acabar de preparar as coisas, e quando tive a confirmação do dia e hora do voo, despedi-me dos meus colegas e saí do quartel com esperança que o tempo passasse rápido.


DB – Qual foi a sensação, no dia em que fez a carta ou informou o seu Comandante?

MA - Depois de alterações no comando do meu CB, informei precocemente o quadro do comando da minha situação, o qual me apoiou e colaborou na resolução do problema. Desempenhei o meu papel enquanto permaneci na minha terra, e depois de ser informado que o projecto em Angola estava em andamento, avancei conforme o planeado. Despedi-me dos meus colegas e arrumei a farda por mais uns tempos.


DB – Acompanha com frequência as notícias sobre os Bombeiros?

MA - Sim. Procuro estar sempre informado sobre os acontecimentos na minha terra e no resto do país. Quando há novidades, sigo a situação operacional no site da ANPC, tento manter-me informado pelos diferentes meios de comunicação, pela família e pelos colegas.


DB – De tantos e tantos anos em que se registaram Bombeiros falecidos no combate às chamas, o ano passado irá ficar para sempre marcado na memória dos portugueses, e principalmente dos Bombeiros.
O que acha que fez com que as situações ocorridas o ano passado marcassem tanto, fossem sentidas e vividas de uma forma tão intensa e ao mesmo tempo tão triste?

MA - Bem, esse assunto é delicado. O que me causou mais impacto, foi a perda de camaradas com idades próximas da minha. Saber que ainda poderiam ter um longo futuro pela frente, e que por ter ouvido a sirene que apelava por ajuda, largaram tudo para socorrer o que não lhe pertencia e não voltaram. Certamente que os colegas frequentaram um curso com módulos de introdução ao serviço dos bombeiros, equipamentos, manobras e veículos, operações de extinção de incêndios florestais, operações de extinção de incêndios urbanos e industriais, técnicas de socorrismo, técnicas de salvamento e desencarceramento, e em todos eles se esforçaram e aprenderam. Acontece que depois surge uma adversidade, há vítimas e tudo fica em causa. Não basta o sofrimento da perda, e ainda os meios de comunicação se aproveitam da situação para criar um ambiente de instabilidade emocional nacional, com o propósito que todos nós sabemos.


DB – Muito se falou e especulou sobre as causas de tal desgraça. Falou-se sobre muito, desde os Equipamentos de Protecção Individual, às comunicações SIRESP, falta de segurança, incumprimento de ordens, relatórios, etc.
Com base na sua experiência nos seus anos como Bombeiro no activo, tem alguma opinião formada, ideia em relação ao sucedido o ano passado?

MA - Acidentes acontecem, mas como é óbvio existem atitudes que podem diminuir a sua incidência. Os bombeiros prestam um serviço desgastante, as ajudas são sempre muito reduzidas e o governo aparentemente tem prioridades que não passam por promover as condições de segurança dos homens, que por amor à camisola, deixam tudo para trás e enfrentam um perigo. Existem inúmeras falhas em qualquer aspecto da questão, mas temos de ter noção, que se não olharmos pela nossa segurança, incumprimos as primeiras normas que nos ensinaram, e a fatalidade pode ocorrer. Mas na minha opinião, estas falhas, que deveriam obter uma resolução por parte das entidades competentes, infelizmente antecedem uma notícia que um dia relatará a perda de mais um camarada.


DB - Em quanto tempo, se for esse o caso, espera regressar a Portugal e voltar assim a defender a causa que durante tantos anos defendeu?

MA - Se tudo correr bem, regresso em Dezembro. Se depois houver possibilidade de me fixar no meu país, certamente darei o meu melhor enquanto bombeiro por muitos anos. Se o meu país não precisar de mais um bombeiro que se esforçou por tirar as melhores notas, um licenciado em enfermagem com cursos como o suporte avançado de vida, certificado de competências pedagógicas e que pretende frequentar quanto antes cursos de suporte avançado de trauma, entre outros… bem, há países que certamente estarão interessados em recrutar profissionais que não deram nenhum prejuízo ao seu país e poderão vir a dar muito lucro. Neste último caso, Portugal será tudo para mim, excepto o país onde vou trabalhar e fazer os meus descontos.


DB - Tem ideia de quantos Bombeiros e Bombeiras perdeu a sua Corporação nos últimos anos devido à emigração?

MA - Se não estou enganado, devido à emigração, a corporação já “perdeu” pelo menos mais uma bombeira (enfermeira) que emigrou para Espanha.


DB – E a nível Nacional?

MA - Não sei responder. Mas acredito que muitos camaradas tenham abandonado o nosso país e os seus CB à procura de condições e reconhecimentos para os quais trabalharam. A ideia que tenho de Portugal, neste momento, é que é um país que explora a classe trabalhadora e nega um futuro aos seus jovens. Veio-me à memória uma sátira presente nas redes sociais onde um jovem diz “-Mãe, vou procurar emprego.” e ela responde “-Não te esqueças do passaporte!”. Triste realidade.


DB – Pois, infelizmente nós também não lhe sabemos dar uma resposta concreta. Sabemos que é um numero que tende a crescer de dia para dia, sabemos que existem Corporações de Bombeiros que perderam mais de metade dos seus elementos, mas… a cada dia que passa, em Portugal, a percentagem de emigração aumenta, e muito, e dentro desse “muito” fazem parte muitos Bombeiros.
Que mensagem tem a deixar a todos os seus Camaradas?

MA - A mensagem pode ser através do relato da minha decisão de ir para Angola. Gostava muito do que fazia no meu CB, principalmente o pré-hospitalar (acho que era de prever). Só que como já mencionei, não era remunerado, não tinha perspectivas de encontrar um emprego a curto prazo e percebi que não podia continuar a ser sustentado pelos meus pais. Acontece que quando surge uma proposta para integrar um projecto em que são oferecidas condições salariais superiores à dos colegas que se encontram no topo da carreira em Portugal, um horário com metade das horas laborais, e com objectivos que vão de encontro com a minha forma de estar na vida, é óbvio que se torna irrecusável profissionalmente. Os problemas surgiram quando reflecti, que até ao momento, sempre me tinha negado a passar muito tempo longe dos meus e do que é meu. Sair do país seria passar do 8 para o 80. Não foi uma decisão fácil. Mas decidi embarcar na aventura da minha vida e não me arrependo. Os CB certamente estarão sempre de portas abertas para receber quem já mostrou capacidades e vontade de trabalhar. E quando voltarmos, certamente iremos mais enriquecidos e mais aptos para defrontar os desafios que possam surgir. Assim, termino alertando que há oportunidades que não surgem duas vezes, e se não as aproveitarmos, estamos sujeitos a perder o que o nosso país nunca nos irá oferecer.


Muito Obrigado por ter respondido a estas perguntas, e pela sua colaboração. De certo que as mensagens de apoio dos nossos leitores irão começar a aparecer, demonstrado assim o Agradecimento pelos anos que em Portugal serviu a causa em prol e bem da Humanidade – Bombeiro.

Foi um prazer enorme tê-lo conhecido e termos tido a oportunidade de partilhar com todos estas pequenas letras.

Um Bem-Haja

0 comentários:

Enviar um comentário

'; (function() { var dsq = document.createElement('script'); dsq.type = 'text/javascript'; dsq.async = true; dsq.src = '//' + disqus_shortname + '.disqus.com/embed.js'; (document.getElementsByTagName('head')[0] || document.getElementsByTagName('body')[0]).appendChild(dsq); })();